EXPECTATIVAS E PREOCUPAÇÕES

Antônio LaCarne
3 min readAug 20, 2021

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Sebastian Siadecki

Eu preciso falar sobre expectativas.

Eu preciso falar sobre como as expectativas individuais e alheias interferem, mesmo que inconscientemente, na minha própria percepção — às vezes distorcida — do mundo.

Sim, a nossa percepção do mundo não é exata, nunca pode ser exata, pois tal exatidão é a impossibilidade de esvaziar um oceano; afinal, assim como o mundo, o outro, em sua subjetividade, exerce a função de ser o elemento fundamental (ou personagem principal) de seu planeta particular. Ou o deus de seu próprio universo fantasioso.

Eis então a problemática dos tempos loucos de agora: vivemos numa corda bamba social, domesticada, exibicionista e midiática onde o discurso embutido é a manifestação fantasmagórica mercantilista, cuja moeda de troca é a aceitação baseada em números, o reconhecimento por meio de quem é alguém na fila do pão, o métier do jogo de interesses em conluio com jogo das aparências.

A autenticidade das relações passa a ser permeada por um enaltecimento que estima o artificial, o meramente comum, a ausência de robustez. A crise, por sua vez, não deixa de ser estética e se redefine em jogos de imitação onde a essência dos likes é o termômetro do talento.

Então percebo o quão triste e limitante é a documentação pública — em espetáculos visuais — que se destina a virar pelo avesso o pior e o melhor de nós mesmos, através de demonstrações insípidas, parcialmente interativas e de manifestações de um personagem plástico, inalcançável. A contemplação anônima passa a ser extinta, e, consequentemente, sem que percebamos, caímos numa cilada, pois nos tornamos linhas de produção de acordo as regras de valor — defeituosas — promovidas por nossos pares.

O verdadeiro absurdo está na proliferação do modus operandi para quem busca reconhecimento de sua arte, persona, contribuição social, política etc. Já não há quem se diferencie no duelo-carnificina visual — e vazio, diga-se de passagem — consagrado pela elasticidade do ego e de suas ramificações, de acordo com a onda passageira do instante; e quem se diferencia busca ser valorizado pelo diferenciar-se, isto é, pairando numa atmosfera de cobra que engole o próprio rabo.

Quanto mais reflito, mais sinto preguiça e menos tempo dedico ao voyerismo da vida alheia.

Em um conjunto de reflexões certeiras a respeito da cultura, o escritor Mario Vargas Llosa trata sobre o imediatismo do que hoje consideramos performances breves transvestidas de apelo simples e anacrônico, principalmente quando deixa claro que “a diferença essencial entre cultura do passado e entretenimento de hoje é que os produtos daquela pretendiam transcender o tempo restante, durar, continuar vivos nas gerações futuras, ao passo que os produtos deste são fabricados para serem consumidos no momento e desaparecer, tal como biscoitos ou pipoca”.

Llosa também é enfático ao esquematizar o perfil contemporâneo de validação artística, em que a distinção entre preço e valor se apagou, ambos se transmutam quando um anula o outro. Passa a ser considerado essencial o que é vendido e digno de conquistar o interesse do público, e ruim ou duvidoso o que fracassa em aceitação. O valor comumente destinado à aceitação está fixado pelo valor de mercado.

O autor, em tom pessimista, não vê uma alternativa senão a reflexão sobre nossa conduta imediatista, quando nossa vocação para a brincadeira passou a ser identificada como entretenimento. O entretenimento passa a ter um significado à parte, como se o riso fosse meramente a resposta para as nossas questões mais íntimas e irreversíveis.

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